terça-feira, 19 de junho de 2012

Contos Embriagados - Primeira Parte

Quem me conhece sabe que eu parei de beber. Bebia (muito) socialmente desde os quatorze anos e parei aos dezenove. "Ora, mas por quê? Beber ajuda a socializar e não faz nenhum mal se você não é alcoólatra." Diziam as pessoas.
Elas diziam isso porque não me conheceram bêbado de verdade. Vou compartilhar com vocês as três histórias que incentivaram o meu bom-senso, me fizeram procurar informações sobre o quão prejudicial é o álcool e, consequentemente, parar de beber de vez.


Esse cão pararia de beber se tivesse bom senso (e se ele realmente bebesse)




Era vinte e cinco de dezembro de 2008, natal na casa de meu honorável pai, toda a família de minha madrasta reunida. A bebida era vinho e meu irmão me acompanhava na bebelancia. Foram dois litros para duas pessoas, acredito que eu tenha bebido mais que ele já que eu costumava beber realmente rápido.

O natal na casa de meu magnífico pai sempre é comemorado de forma comum: uma ceia farta, um amigo secreto normal, baianos, forró, baianos, doces, baianos... Mas nesse ano havia algo meio diferente, algo esplêndido, fermentado e alcoólico.

O algo em questão era o vinho diretamente da Arara Azul, era uma bebida de alto teor de apreciabilidade natalística-social anti-monotonismo. O álcool suave do formidável vinho descia garganta abaixo provocando risos e fervor na cabeça. Engraçado que a cada gole e a cada riso o vinho ficava mais e mais delicioso.

Claro que ninguém quer saber o quão gostoso é o vinho do rancho Arara Azul, vocês querem saber mesmo é que tipo de efeito essa delícia toda teve em meu comportamento.


a_a Os efeitos físicos a_a

O olhar do bêbado vê um cão flutuando.

Quando você bebe pra se divertir os efeitos são tranquilos e aceitáveis: sua língua fica grossa, seu equilíbrio só é afetado o suficiente pra parecer que você flutua, sua sociabilidade aumenta, seu tom de voz fica razoavelmente mais alto e você fica mais propício aos risos.

A situação muda quando você bebe pra se divertir MESMO: sua língua enrola, seu equilíbrio é afetado pra te fazer cair, sua sociabilidade aumenta tanto que extrapola todos os limites, seu tom de voz agora é tom de grito e você ri de absolutamente TUDO.

Acho que pouco mais de um litro de vinho do rancho Arara Azul foi suficiente pra me deixar no segundo estágio. Eu caía sozinho, gritava aleatoriamente  (sempre repreendido pelos mais sensatos e incentivado pelos mais filhos da puta), dançava o forró, imitava os baianos da forma mais caricata e principalmente, RIA. Cheguei a engasgar umas três ou quatro vezes com meu riso.


b_b Os efeitos sociais b_b


As mãos são o efeito do álcool, elas te forçam a sorrir.



Abraços gratuitos eram distribuídos, as piadas sem graça de sempre (pavê ou pacumê? Esse doce  é pudim, se o dim não tá aqui eu não como, etc.) tinham um teor cômico fora do comum. Engasguei com meu riso da piada do pudim.


Aliás, vamos abrir um parêntese e imaginar uma pessoa que engasga com riso. Você consegue? Agora, escrevendo o texto é meio difícil. Consigo imaginar alguém engasgando com carne dura, com azeitona, com moeda, até com saliva, mas RISO? Era complicadíssimo. Quando alguém engasga com uma moeda você usa aquele truque de dar um tapa nas costas ou pressionar a barriga, mas e quando se engasga com RISO? Você conta algo triste e vê o que acontece? O pior de tudo era que o fato de eu engasgar com risos provocava mais risos na minha mente embriagada. Devo ter preocupado meus familiares.



Eu ria, abraçava e falava merda pra todos. E ria das bostas expelidas dessa boca que já falou tantas coisas belas (já recitei um jogral uma vez, era muito bonito). Eu ria de mim mesmo enquanto zoava os baianos e os não-baianos, ria do meu irmão que me zoava, ria dos familiares sóbrios que me repreendiam, ria das plantas que eram tão paradas e engraçadinhas (juro que uma delas piscou pra mim e falou "vem ni mim gato"), ria das escadas que me derrubavam esporadicamente, ria das pessoas que riam da minha risada. Era o festival do riso. Aposto que se eu assistisse ao Zorra Total eu conseguiria esboçar um sorriso naquele estado deplorável.

Lembro vagamente de ter discutido (em inglês) com meu irmão sobre os efeitos da pornografia na construção social da figura do homem. Chegamos a uma conclusão digna que, por mais que eu tente, eu não me recordo.


c_c O karaokê c_c


O karaokê é outro costume dos natais comemorados com meu pai.

Normalmente, após o amigo secreto, reúne-se todo o pessoal que ficou e canta-se músicas sertanejas e populares brasileiras para que os presentes avaliem a cantoria. É algo como um show de calouros.

Com meu estado alterado de consciência eu cantava em gutural "o dia em que saí de casa" e julgava a cantoria dos baianos e não-baianos com voz de pato.
Alguns parentes de minha madrasta não gostaram muito da voz de pato e pediram que eu me retirasse. Eu ri do pedido e respondi com um "OS INCOMODADOS QUE SE MUDEM, GROAAARRR" utilizando de todo meu poder gutural. As pessoas com senso de humor mais refinado riram (eu e meu irmão) e as outras pessoas ficaram assustadas.

Esse cara provavelmente canta gutural.
 
Nessa altura da festa eu já havia caído sozinho algumas (seis) vezes e paquerado quase todas as plantas da casa (menos a samambaia que era casada e estava meio receosa de trair seu marido samambaio). Era o limite? Não quando você bebe o esplendoroso ressonante vinho da Arara Azul.


d_d O limite d_d

Samambaio está bravo por terem dado em cima de sua esposa.


Já era cinco e meia da manhã e todos que voltariam pra casa de ônibus estavam se retirando com o sentimento de "que natal maravilhoso, a não ser por aquele idiota bêbado".

A festa tinha acabado, mas meu senso distorcido não me deixava ver isso. Eu continuava a dançar o forró (mesmo sem música) e continuava a ser deselegante e indiscreto. O bêbado age assim.


Eu sentia sede e bebia água, suco, refrigerante, óleo de cozinha, energético, a água das plantas, a água do cachorro do vizinho, a bebida que os outros deixavam na mesa... Claro que não há estômago que não rejeite uma ceia depois desse festival de porcarias ingeridas.

Por mais que a bebida anestesie dores de modo geral, aquela dor de estomago era a pior que já havia sentido. Era uma cutucada com unhas postiças na parte do cérebro que te faz sentir dor. Era pior que benzetacil.

A dor me fez parar de ser ridículo e sentir um pouco de arrependimento. Não devia ter comido aquelas porcarias nem bebido a água do samambaio só porque a mulher dele não estava me dando mole.

Eu terminei a noite estirado num canto com a mão no estômago. Não dava mais risada nem me sentia leve e feliz. Só sentia arrependimento.


e_e O triste dia seguinte e_e



Meu formidável pai me levou de volta pra minha casa onde pude descansar o sono do bêbado com horríveis dores. Tive um pesadelo horrível que de tão horrível me recordo até o presente momento.

Eu era um coelho verde limão que corria freneticamente de um lobo lilás. O lobo me pegava pela barriga e me agitava em sua boca da mesma forma que o tiranossauro rex fez no filme Jurassic Park. Eu caia no chão e gritava de dor e então aparecia a fada sininho do Peter Pan. O lobo abocanhava a fada e então explodia em tripas.


Substitua o Gennaro por um coelho e o rex por um lobo lilás, isto é, se você tiver capacidade imaginativa para tal

Procurei vários especialistas pra decifrar esse pesadelo. Meu astrólogo disse que se tratava de um aviso para que eu fosse mais cauteloso com as relações familiares. Ótimo conselho, amigo.

Ah, o dia seguinte. Acordei com a ressaca que só o vinho do Rancho Arara Azul pode fornecer. Impossível descrever uma ressaca daquelas.

Demorou dois litros de água e 12 horas de sono pra me recuperar, bom, pelo menos da dor física. Os parentes que eu havia tratado com poder gutural estavam meio assustados comigo e demoraram mais um ano de conversas amenas pra perder o trauma.

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O importante é que, mesmo depois de dois anos pra recuperar algumas relações, ficou tudo bem e guardei boas recordações daquele natal.
As próximas duas histórias vão um pouco mais fundo na parte das consequências...

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Continua em: Contos Embriagados - Segunda Parte

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